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O melhor detergente é a luz do sol

JOSÉ ORLANDO MURARO:  O anjo da morte caminha pelas ruas de Chapada dos Guimarães

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O melhor detergente é a luz do sol

 

 

 

Um sonho. Apenas um sonho.

Estou no alto. Na direita uma linha ferroviária. Um longo e vagaroso comboio…interminável.

Na esquerda, lá no fundo, uma estrada. Um desvio em direção a linha férrea. Uma casa na esquina das estradas. O muro da frente para o desvio pintado de amarelo e o muro lateral à ferrovia, no reboco cinza do chapiscado.

Continuo olhando para a estrada. Logo aparece um garoto. Um chapéu de palha nas mãos. Uma camisa de pano marrom, um calção de calca jeans cortada e, nos pés, um par de botinas-de-orelhas. Boot-strap em inglês.

Pendurado no ombro um embornal de pano, uma pequena sacola com alça onde ele levava água e um pão com alguma coisa dentro.

O garoto fica parado olhando o desfile dos imensos e intermináveis vagões.

Depois de um tempo, ele desiste. Não irá conseguir atravessar a linha do trem. Não poderá seguir com a sua caminhada.

Ele desiste e senta-se encostado no muro chapiscado. E fica ali com os olhos voltados em outra direção que não seja a linha do trem.

Um sonho. Apenas um sonho.

Carl Gustav Jung escreveu em  texto encartada na obra “O homem e seus símbolos” que os sonhos não são meras divagações do cérebro enquanto você está dormindo, conforme defendia Freud.

Para Jung os sonhos são a manifestação do inconsciente. Mas que esta parte do cérebro não verbaliza e tenta se comunicar através de imagens, tenta passar um recado, te alertar de algo que passou despercebido enquanto você estava de olhos abertos e sob o comando do consciente.

Para tentar entender a mensagem passada pelo inconsciente, paro e penso em como estou no meio desta pandemia sem fim.

Estou ansioso. Temeroso. Comprei um detector de metal par garimpar ouro nos córregos de Chapada dos Guimarães. Fiz uma rápida experiência de três dias. Um bom resultado.

Mas  estou impossibilitado de voltar para as áreas de garimpo. O detector tem uma imensa bobina na ponta. Quando chove ou o tempo fecha, não posso usá-lo, pelo perigo de atrair raios e trovões.

Então tenho que ficar em casa….guardado. isto dá uma sensação de inutilidade.Estoquei comida e carne tem na geladeira, frita e mergulhada na banha de porco. Dinheiro, bem ou mal, tem para alguns meses à frente.

Não devia estar agoniado. Mas estou.

Não há como escapar da conversa na padaria do Gilberto, pela manhã. Morreu fulano, morreu cicrano e o assunto segue assim.

E há uma constatação geral:  os jovens estão trazendo o vírus para dentro de casa e matando seus pais. Foi assim com fulano, assim com tetrano….

A faixa etária da mortandade alterou bastante. Hoje  ela se situa entre 30 e 50 anos. E muitos casais morrendo, com poucos dias de diferença.

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Ou seja, os velhos se cuidam, usam máscara, passam álcool nas mãos , respeitam o distanciamento social e…e…não freqüentam baladas e nem lugares com aglomeração.

A partir da minha situação mental e psicológica, tento entender a mensagem que o meu inconsciente passou através daquele sonho.

O garoto sou eu. Ali pelos 12 anos. Nos sábados pegava o embornal, colocava uma garrafa de água  e  dois pães, com mortadela, ou presunto e queijo. E pé na estrada.

Mas o que me preocupava era o comboio de vagões. Interminável. Uma centopéia sem fim.

É esta pandemia que se arrasta pelos dias meses e talvez anos….cada vagão poderia ser um dia, um mês ou um ano…..

O meu inconsciente deixava um  recado bem claro: a desgraça não vai ser tão rápida. Talvez demore muitos meses e até anos para acabar completamente.

È o comboio de vagões que impede você de seguir com o teu caminho, com a tua vida….

E o eu-garoto de 12 anos? Porque meu inconsciente o colocou ali?

Peguei uma xícara com café quente e sentei na porta do pequeno quarto em que moro em um barracão. Pensamentos. Lembranças de um dos dias mais emblemáticos do meu relacionamento com  minha mãe.

Saí bem cedo para caminhar. Voltei às 17 horas. Meu pai, como sempre, estava lendo o jornal o Estado de São Paulo. De sábado. Um calhamaço com quase quatro quilos de peso.

Ele lia tudo. Até os três cadernos de classificados.

Quando sentei, sem levantar os olhos do jornal, ele perguntou:

-E hoje? Por onde andou?

-Fui na fazenda Novo Mundo, da colônia dos japoneses…..ontem teve uma chuva de pedras…granizo, por lá. Quando cheguei, eles estavam sobre caixotes e com  pequenas  tesouras eles cortavam e descartavam os bagos de uvas que foram danificadas pelo granizo.

Minha mãe se aproximou vindo da cozinha.

-E você foi até lá a pé e voltou no mesmo trote?

Me voltei para ela. Estava encostada na parede com os braços cruzados no peito. Um dos pés sai a voltava para dentro da sandália. Parecia um touro Miúra, destes de touradas espanholas.

– Bom, até certa altura fui a pé. Depois pequei carona com o “seu” Vasquetão Lopes. Na Kombi. Ele estava indo para a fazenda dele para ver se o granizo havia destruído a sua produção de laranjas. E a tarde, como ele tinha prometido, passou na colônia e me deu carona…..

Quando meu pai estava por perto, minha mãe não me pressionava. Mas quando ele não estava, a ladainha era sempre a mesma:

-Porque você não joga bola….. vai empinar pandorga, caçar de estilingue… como todos os garotos da tua idade? Porque você é assim?

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O que um garoto de 12  anos pode explicar para uma mãe enfurecida?

E nesta semana as coisas entre nós azedaram de vez. Ela tinha comprado um bibioquê para mim. È uma bola de madeira com um furo, amarrado em um cordão e, do outro lado um graveto e você tem que dar um galeio naquela bola e tentar encaixá-la no graveto. Bom. Deu no que deu: na terceira tentativa a bola bateu na minha testa!

Joguei longe aquele brinquedo inventado pelo capeta sai de casa. Minha  mãe ficou profundamente contrariada. .

E voltei ao sonho: porque o inconsciente lançou mão da imagem de um tempo tão difícil para um garoto de 12 anos, que era totalmente deslocado?

Jung novamente.

Ele havia escrito e publicado um texto onde ele rompia com Freud. O pai da psiquiatria, respondeu por outro texto, extremamente duro contra Jung.

Jung voltou para a cidade em que nasceu e, como uma criança, ficou construído castelos de areia na praia de um rio. Como psiquiatra, ele narrou depois, que não entendeu o que  havia feito. Voltar a ser criança…um  homem já feito na idade…

E ele escreveu um texto, anos depois,  onde concluiu que a volta à infância foi extremamente  benéfica…ele reencontrou as forças e os sonhos da infância e isto lhe permitiu voltar e sustentar que Freud estava errado ao simplificar que  as neuroses humanas eram resultados  de frustrações sexuais.

Estava claro. O meu inconsciente buscou a  imagem do eu-garoto de 12 anos decalcado em Jung. Busque as forças e os sonhos da infância. Não se abata.

É isto aí.

Tenho que ter paciência e forças para esperar este imenso comboio da pandemia passar. Pode levar meses ou até anos…quem pode saber?

Tenho que me cuidar e orientar as pessoas para que se cuidem. Façam o que é tão simples. Usem máscaras, usem álcool gel, mantenham o isolamento social, evitem aglomeração.

Esta mensagem tem que ser aprendida pelos jovens, principalmente.

Não levem o vírus para casa. Não matem seus pais e mães…..

Agora sei o que devo fazer. Escrever, publicar e pedir para as pessoas compartilharem os textos…. se cuidem até que todos sejam vacinados ou o soro do Butatan seja autorizado pela Anvisa.

Volto à realidade.

O anjo da morte caminha pelas ruas de Chapada dos Guimarães……e o comboio imenso, interminável da pandemia…. vai continuar…..limitando os nossos sonhos, as nossas vidas….se cuidem!!!

Se cuidem!!!

Chapada dos Guimarães, 11.03.2021.

JOSE ORLANDO MURARO SILVA

Advogado e escritor.

Portador da Síndrome de Asperger

 

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EDMUNDO LIMA DE ARRUDA JR: Na sucessão de Barroso, Lênio Streck desnivela qualquer outro candidato para vaga no STF

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Não há dúvidas. Lênio Streck é hoje o jurista mais preparado para os desafios naquele padrão Supremo. O STF merece nomes do mais alto nível entre nossas mentes na área do Direito.

A escolha é política e causa uma mistura de surpresa e espanto ao pipocar de nomes: o Advogado geral da União, Jorge Messias, preparadíssimo, parece forte, mas ainda consolidando seu nome no meio jurídico.

A Janja quer, por critérios de amizade, Carol Proner, esposa de Chico Buarque, pouco expressiva em trabalhos com a técnica jurídica e na teoria da hermenêutica constitucional.

Lenio talvez seja grande demais para merecer a confiança de Lula num contexto no qual nosso presidente já se decepcionou com muitas de suas escolhas e se vê pressionado por uma militância conhecida… .

Lênio desnivela qualquer outro candidato, por melhor seja o currículo de muitos disponíveis, por erudição, produção acadêmica e técnica, visão crítica, múltiplas capacidades no raciocínio jurídico, sobretudo, pela coragem e criatividade nos fundamentos da interpretação constitucional.

Em cinco anos produziria uma revolução na nossa mais alta Corte.

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Edmundo Arruda, sociólogo e jurista, nascido em Cuiabá, MT, vive há tempo em Florianópolis, SC

 

Lênio Streck com Edmundo Arruda em solenidade em Florianópolis

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