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O melhor detergente é a luz do sol

ANTROPÓLOGO LUIZ EDUARDO SOARES: CIA, Sicília e Rio Grande do Norte e as lições para bloquear o fascismo brasileiro

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O melhor detergente é a luz do sol

CIA, Sicília e Rio Grande do Norte

Por LUIZ EDUARDO SOARES*

 

 

Impactante o artigo que Seymour Hersh publicou esta semana em seu blog no Substack, desta vez não mais sobre o ato terrorista cometido pelo governo estadunidense contra os Nord Stream Pipelines, que levavam gás russo à Alemanha, mas sobre a operação secreta deflagrada pela CIA contra a máfia na Sicília, por determinação dos irmãos Kennedy. Na ocasião, John era presidente e Bobby, attorney general.[i]

Além de fazer menção a várias tentativas de assassinar Fidel Castro, Seymour Hersh descreve o longo percurso pelo labirinto de contatos, silêncios, pistas falsas, entrevistas canceladas e mensagens cifradas, até descobrir o que se passou em 1962. Para efeito do que nos importa, nos limites deste breve artigo, registro apenas o resumo: com vistas a enfraquecer grupos da máfia nos EUA, especialmente em Chicago, o agente Charley Ford foi enviado à Itália. Tratava-se da retomada de uma ofensiva anti-máfia, que marcara a atuação de Robert Kennedy como assessor de importante comissão de investigação no Senado, em 1959. Ofensiva sucedida por recuo, à época inexplicável, agora elucidada.

Cito Seymour Hersh em tradução livre: “Outro fator na decisão de Bobby de suspender as acusações contra Giancana [destacado mafioso] tinha de ser a crença difundida de que seu pai, com a aprovação de Jack (apelido de John), tinha feito um acordo com Giancana, cujas ligações políticas em Chicago eram amplas, pelo apoio nas eleições de 1960. Além disso, Jack Kennedy e Giancana estavam dormindo com a mesma mulher, um fato que só viria a público depois que seu nome, Judith Exner, vazou durante as audiências do Comitê Church. Bobby certamente também sabia disso.”[ii]

Bobby recuperou a iniciativa e ousou um lance arriscado: exigiu que a CIA deslocasse um agente para cumprir missão que ele mesmo determinaria e o mandou para a Itália. Sua tarefa era grampear lideranças de duas famílias da máfia, ambas fiéis à sociedade Camorra, sediada em Nápoles, e semear a discórdia entre elas, com vazamentos direcionados e seletivos de traições e roubos mútuos inverídicos, até provocar a conflagração violenta.

O plano de contra-informação contou com o apoio dos Carabinieri e não teria sido possível sem o conhecimento já acumulado pela CIA, que vigiava a Camorra a partir de Roma, se beneficiando da precariedade dos meios de comunicação empregados pelos criminosos. Seymour Hersh afirma que, desde o fim da segunda guerra, agentes americanos estavam infiltrados e mantinham políticos da Democracia Cristã em sua folha de pagamento.

Nas palavras de Seymour Hersh, que transcrevo a seguir: “A CIA jogou seu dinheiro nos democrata cristãos corruptos, na Máfia e na Mídia, depois da segunda guerra mundial, temendo que a esquerda – ou seja, o Partido Comunista –, com sua ênfase em programas sociais e estabilidade no trabalho, pudesse conquistar o poder”.[iii]

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A guerra fratricida entre facções rivais provocou muitas perdas entre os mafiosos, mas acabou atingindo também militares e policiais italianos, assassinados num atentado, uma vez que a história chegou aos ouvidos da Camorra, que jurou vingança, inclusive contra Bobby e John. O presidente foi assassinado em novembro de 1963, mas a eventual participação da máfia jamais foi sequer considerada e essa trama nunca chegou à Warren Commission, responsável por investigar todas as linhas associadas ao homicídio.

Que lições podemos tirar, hoje, no Brasil, de um fato longínquo e distante no tempo? De meu ponto de vista, várias: (i) Em 2023, 60 anos depois, o monitoramento dos alvos prescinde da tecnologia rudimentar dos “grampos”, como nos mostrou Snowden. Os recursos são muito mais potentes. (ii) A ideia de mobilizar grupos criminosos contra seus competidores, parceiros ou potenciais oponentes, visando enfraquecer cada um deles ou o conjunto, não é nova e comprovadamente funciona. (iii) Funciona segundo uma perspectiva estreita e socialmente irresponsável, pois, como demonstra o caso em pauta, não é plenamente controlável: os desdobramentos eram (e são) imprevisíveis, uma vez que a dinâmica desencadeada não atendia a uma política sistêmica, compatível com a legalidade e o Estado de direito, mas, ao contrário, apenas realizava a lógica da guerra (Proxy) exportada para terreno alheio, em condições geopolíticas ostensivamente imperialistas.

(iv) A CIA não corrompe somente políticos, como se sabe. (v) A arena em que atua não se esgota no campo criminal, evidentemente. (vi) A questão criminal pode proporcionar um deslocamento do foco, mas a matriz das intervenções é política, e mesmo geopolítica, quando não diretamente econômica. Portanto, assim como o palco de operações num confronto bélico pode se deslocar para um terceiro país, as ações também podem se deslocar de uma esfera a outra. Por exemplo, se o objetivo for eliminar uma liderança de esquerda, pode-se tentar neutralizá-la via justiça, em lugar de matá-la, como nas décadas precedentes -foi o caso de Lula. São diversas as esferas em que se desenrolam ações estratégicas, de porte transnacional, da mídia à própria chantagem econômica -não por acaso os especialistas falam em guerra híbrida.

(vii) Finalmente, o ensinamento mais relevante, no momento presente: se o fascismo brasileiro quiser desestabilizar o governo, produzir crises e trazer de volta as Forças Armadas para o proscênio, devolvendo-lhes o protagonismo que a vitória da democracia lhe retirou, não será surpreendente se adotar estratagema análogo àquele descrito por Seymour Hersh, empregado pela CIA na Itália, em 1962: estimular conflagrações entre facções criminosas para provocar o caos. A Força Nacional dificilmente teria condições de garantir a segurança pública se as demandas locais se multiplicassem. A pressão para deflagrar uma operação de garantia de lei e ordem (GLO), que sabiamente foi descartada em 8 de janeiro e de novo refutada no Rio Grande do Norte – apesar da solicitação de alguns agentes políticos, entre eles o presidente do Senado –, pode se tornar incontornável.

Leia Também:  Filme "Hannah Arendt" da cineasta Margarethe von Trotta sugere que totalitarismo pode assumir faces “normais” e parece indispensável num cenário de democracia esvaziada e guerra iminente. Um dos argumentos do filme, e central na visão de Hannah, é a desumanização do objeto de violência. Torturar um semelhante choca os valores herdados, ou aprendidos. Portanto, é essencial que não se trate mais de um semelhante, pessoa que pensa, chora, ama, sofre. É um judeu, um comunista, ou ainda, no jargão moderno da polícia, um “elemento”. Na visão da KuKluxKlan, um negro. No plano internacional de hoje, o terrorista. Nos programas de televisão, um marginal. Até nos divertimos, vendo as perseguições. São seres humanos? O essencial, é que deixe de ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, e se torne uma categoria. Sufocaram 111 presos nas celas? Ora, era preciso restabelecer a ordem.

Conclusão: convém formular com urgência um plano B, que não envolva os militares. De preferência, um plano de caráter preventivo. E um plano dessa natureza envolverá, necessariamente, uma política de segurança pública, ou melhor, a reforma estrutural da segurança. Dado o contexto político, eu tomaria a liberdade de recomendar que se iniciasse pelo sistema penitenciário, criando condições para que a LEP (Lei de Execuções Penais) seja cumprida e o Estado, não as facções, domine as unidades.

Para isso, será preciso sustar o encarceramento em massa de pequenos varejistas do comércio de substâncias ilícitas. Tais medidas corresponderiam ao fim da perversa, iníqua e racista guerra às drogas. Vejam como nos prevenindo de golpes fascistas terminaríamos beneficiando a luta antirracista.

*Luiz Eduardo Soares é antropólogo, cientista político e escritor. Ex-secretário nacional de segurança pública. Autor, entre outros livros, de O Brasil e seu Duplo (Todavia, 2019) e Dentro da Noite Feroz; o fascismo no Brasil (Boitempo, 2020). Artigo publicado originalmente no blogue A Terra é Redonda   

 

 

Notas

[i] https://open.substack.com/pub/seymourhersh/p/the-kennedys-secret-sicilianoperation?r=6o9dw&utm_campaign=post&utm_medium=email

[ii] “Another factor in Bobby’s decision to drop the charges against Giancana had to be the widespread belief that his father, with Jack’s approval, cut a deal with Giancana, whose political ties in Chicago were extensive, for political support in the 1960 election. It was also the case that Jack Kennedy and Giancana were sleeping with the same woman, a fact that would not be known to the public until her name, Judith Exner, was leaked during the Church Committee hearings. Bobby surely knew that, too.” (Hersh, Seymour. The Kennedys’ secret sicilian operation; What the CIA didn’t tell the Warren Commission. Mar 29 at Substack)

[iii] “The CIA had thrown its money into the corrupt Christian Democrats, the Mafia, and the media after World War II in fear that the left—that is, the Italian Communist Party—with its emphasis oAn social programs and worker stability, would gain power”. (Idem, ibidem)

 

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EDMUNDO LIMA DE ARRUDA JR: Na sucessão de Barroso, Lênio Streck desnivela qualquer outro candidato para vaga no STF

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Não há dúvidas. Lênio Streck é hoje o jurista mais preparado para os desafios naquele padrão Supremo. O STF merece nomes do mais alto nível entre nossas mentes na área do Direito.

A escolha é política e causa uma mistura de surpresa e espanto ao pipocar de nomes: o Advogado geral da União, Jorge Messias, preparadíssimo, parece forte, mas ainda consolidando seu nome no meio jurídico.

A Janja quer, por critérios de amizade, Carol Proner, esposa de Chico Buarque, pouco expressiva em trabalhos com a técnica jurídica e na teoria da hermenêutica constitucional.

Lenio talvez seja grande demais para merecer a confiança de Lula num contexto no qual nosso presidente já se decepcionou com muitas de suas escolhas e se vê pressionado por uma militância conhecida… .

Lênio desnivela qualquer outro candidato, por melhor seja o currículo de muitos disponíveis, por erudição, produção acadêmica e técnica, visão crítica, múltiplas capacidades no raciocínio jurídico, sobretudo, pela coragem e criatividade nos fundamentos da interpretação constitucional.

Em cinco anos produziria uma revolução na nossa mais alta Corte.

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Edmundo Arruda, sociólogo e jurista, nascido em Cuiabá, MT, vive há tempo em Florianópolis, SC

 

Lênio Streck com Edmundo Arruda em solenidade em Florianópolis

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