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Antes Arte do Nunca

QUADRINISTA WANDER ANTUNES: Se essa HQ protagonizada por Rondon e a Turma da Mônica marcar o começo de algo então está muito bom. Se não for então está tudo muito ruim (o que não chega a ser um fato novo). Se a próxima HQ financiada pelo poder público (no todo ou em parte) for daqui a cinquenta anos no burocrático, morno e distante 2065, por conta do bicentenário de Rondon, então algo seguirá muito errado conosco. Mesmo que ela seja realizada por autores mato-grossenses

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Antes Arte do Nunca

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Homenagens sinceras e homenagens meia-bocas
POR WANDER ANTUNES
Muito criticada em Mato Grosso a contratação dos estúdios Maurício de Souza para realizar uma história em quadrinhos sobre Rondon. Entre as reclamações está a alegação de que existem autores locais que sabem falar nossa linguagem e seriam capazes de traduzir aos alunos da rede pública quem foi Cândido Mariano da Silva Rondon. Não é incorreto dizer isso, mas acho que o leitor estará muito bem servido com esse material. Nos Estúdios Maurício de Souza há roteiristas, desenhistas, coloristas (e olha que cor de verdade, que ajude a narrativa, é um negócio dificílimo de se achar) e letristas talentosíssimos fazendo todos os dias, há décadas, histórias em quadrinhos.
Isso conta muito e acho importante o leitor ter acesso a algo muito bem realizado. Terá, certamente. Mas o legal seria que além desse projeto outros estivessem sendo realizados, por autores mato-grossenses. Sim, e que eles estivessem sendo bem remunerados por isso. E esse é o ponto.
Para além desse projeto o que mais está sendo feito? O governo quer homenagear Rondon? É justo e necessário. Mas que se lance uma HQ sobre ele a cada década, quem sabe mais até, não me parece homenagem verdadeira. Soa mais como uma formalidade a ser cumprida.
Homenagear Rondon de verdade é garantir a todo guri que está na escola: vá até a biblioteca, lá tem uma bem escrita e bem desenhada HQ sobre Rondon. Simples assim. Se tiver a homenagem está feita. Mais, esse guri ouviu falar digamos, sei lá, do poeta andarilho Zé Bolo Flor, ficou interessado, foi até a biblioteca e… Não é que está disponível para leitura, um bem escrito e bem ilustrado gibi protagonizado pelo Zé Bolo Flor? Olha o Zé Bolo Flor homenageado aí, gente. Mais ainda, lá ele também encontra HQs protagonizadas pelos famosos e quase sempre outrora poderosos (mas não só) varões ilustres de Mato Grosso. Pronto, todos eles estão homenageados.
Aí chega o dia em que esse hipotético guri já leu todas elas, gostou de algumas, mas sentiu ali um cheiro de respeitosa oficialidade, quer algo diferente e um dia decide ler HQs protagonizadas por homens e mulheres anônimos. Esse guri botou na cabeça que eles são os melhores para se entender o mundo porque, despidos dos cuidados impostos aos personagens da oficialidade, são muito mais críveis, palpáveis, têm mais a dizer sobre quem nos somos e porque somos o que somos, e nessa biblioteca há muito quadrinho protagonizado por esses personagens. Vítimas uns, algozes outros, também eles protagonistas da história de Mato Grosso.
O dia em que esse guri tiver na biblioteca de sua escola tanta coisa para ler aí Rondon terá sido verdadeiramente homenageado. Vários outros mato-grossenses também terão sido homenageados: Totó Paes, Maria Taquara, Zé Bolo Flor, Jejé de Oyá, Pascoal Moreira Cabral, os índios que Pascoal Moreira Cabral escravizou, os negros que vieram escravizados em sua bandeira, os que foram humilhados e ofendidos nesse Mato Grosso ao longo de sua história, todos eles terão sido homenageados.
Esse guri também terá sido homenageado, isso é muito importante. Para mim ele está no mesmo nível e é tão importante quanto Cândido Rondon. Esse guri terá sido homenageado porque leu, porque teve acesso. Isso é homenagem. Somente isso, do meu ponto de vista. O resto é só registro. Cem anos de um personagem, duzentos de outro? Ah, então publica aí um livro, chama alguém pra fazer uma HQ… Um negócio meio morno. Isso não é nada? Seria injusto dizer que não, mas me dá zero de tesão. É só um pouco mais do que nada, acho.
Se essa HQ protagonizada por Rondon e a Turma da Mônica marcar o começo de algo então está muito bom. Se não for então está tudo muito ruim (o que não chega a ser um fato novo). Se a próxima HQ financiada pelo poder público (no todo ou em parte) for daqui a cinquenta anos no burocrático, morno e distante 2065, por conta do bicentenário de Rondon, então algo seguirá muito errado conosco. Mesmo que ela seja realizada por autores mato-grossenses.
Wander Antunes é quadrinista.

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LEANDRO KARNAL: Livro é um presente permanente. Ler é esperança, sempre

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Uma ponte de livros

Por Leandro Karnal

Sim! Você sobreviveu até a penúltima semana de 2020. Parabéns! Eu sei que os pessimistas estão dizendo: ainda faltam vários dias. É verdade. Seria tão injusto falhar agora! Viemos nadando com desafios desde março. A outra margem do rio está tão próxima. Sejamos otimistas: chegaremos todos a 2021.

Há uma possível pausa pela frente. Em algum momento você terá um pouco mais de folga. Chegou a hora de pensar estrategicamente: livros. Por quê? Não sei o que nos aguarda no ano próximo e novo. Sei que ele será mais bem vivido se houver mais pensamentos, maior conhecimento, mais informações. Atrás de sugestões para ter ou presentear? Farei algumas. Lembre-se sempre: um livro é um presente permanente que pode mudar a cabeça do agraciado.

Literatura? É o ano do centenário de nascimento de Clarice Lispector. A editora Rocco lançou um volume alentado e lindo com Todas as Cartas. É a correspondência da nossa maior escritora em um tomo que “fica sozinho em pé”. A leitura me trouxe um enorme prazer. Se o gênero correspondência não faz sua cabeça, mergulhe nos volumes da mesma editora com várias obras de Clarice: A Maçã no Escuro, A Legião Estrangeira, Onde Estivestes de Noite, O Lustre, Perto do Coração Selvagem, Felicidade Clandestina e A Bela e a Fera. São apenas alguns dos títulos lindos, com capas sedutoras e textos que vão alterar seu mundo.

Quer reencontrar outros clássicos? A Cia das Letras lançou Ressurreição, de L. Tolstoi. A luta de um nobre para reparar um erro grave do passado é o eixo daquele que, para mim, é uma das melhores obras do russo genial. Se Tolstoi o atrai, a editora Todavia reuniu 4 obras dele (Felicidade Conjugal, A Morte de Ivan Ilitch, Sonata a Kreutzer e Padre Siérgui) em um único volume.

Você sobreviveu a uma das mais transformadoras epidemias na história. Que tal ler A História das Epidemias, de Stefan Cunha Ujvari? Saiu pela editora Contexto. Aprende-se muito com o livro, bem escrito e solidamente pesquisado. Prefere o terreno argiloso da política e da sociedade? A pesquisa de Bruno Paes Manso resultou no necessário A República das Milícias. O livro proporciona análises indispensáveis e medos incontornáveis.

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Você prefere algo que o anime? Pedro Salomão lançou o Valor Presente – A Estranha Capacidade de Vivermos um Dia de Cada Vez pela Best Business. Tive o privilégio de fazer o prefácio. Na mesma linha, uma coletânea com textos exemplares de Mario Sergio Cortella: Sabedorias para Partilhar, da Vozes/Nobilis.

Quer discutir amor e casamento? Não perca Amor na Vitrine – Um Olhar Sobre as Relações Amorosas Contemporâneas, de Regina Navarro Lins. A psicanalista vai mexer com suas convicções tradicionalistas e desafiar seus censores invisíveis.

Eduardo Giannetti sempre faz pensar. Li com avidez O Anel de Giges, da Cia das Letras. Tomando a lenda platônica do anel que produz invisibilidade, o que restaria da ética? Um homem invisível precisa se manter com boas regras morais ou vai acabar se entregando a seus desejos e caprichos menos nobres de espírito? Foi a leitura que mais me provocou inquietações no ano de 2020. É genial a capacidade de Gianetti de combinar densidade com linguagem leve.

Você ou o seu amigo-secreto amam viajar? Guilherme Canever lançou dois tomos pela Pulp: Destinos Invisíveis – Uma Nova Aventura pela África e Uma Viagem Pelos Países Que Não Existem. Livros densamente ilustrados, com um olhar agudo para lugares inusitados.

A Autêntica vai fundo na alma humana ao lançar uma nova edição do Além do Princípio do Prazer. O livro chegou ao centenário agora e a cuidadosa tradução de Maria Rita Salzano Moraes ajuda a valorizar a obra fundamental do dr. Freud.

Foi um ano estressante, reconheçamos. Talvez seja hora de pensar em um texto sobre ansiedade e o desafio da saúde mental. O dr. Leandro Teles, pela editora Alaúde, lançou Os Novos Desafios do Cérebro – Tudo o Que Você Precisa Saber Para Cuidar da Saúde Mental nos Tempos Modernos. Acho que a grande meta de 2021 é o desafio do equilíbrio. O livro do dr. Teles ajuda muito.

Leia Também:  GRANDE, COMO ERA GRANDE: Fernando Brandt termina a sua travessia. Compositor de clássicos do Clube da Esquina morre aos 68 de complicações decorrentes de transplante de fígado. A poesia de Fernando Brandt sempre caiu no gosto do povo. Canção da América (“Amigo é coisa/ pra se guardar”), Maria, Maria (“E a estranha mania de ter fé na vida”), Ponta de areia, Nos bailes da vida (“Todo artista tem de ir aonde o povo está”), Raça (“Lá vem a força/ lá vem a magia”) e Encontros e despedidas são alguns exemplos da profunda conexão de Brant com a sua gente

Você ama narrativas biográficas? A obra de Adam Zamoyski (Napoleão – O Homem Por Trás do Mito – ed. Crítica) prenderá sua atenção do início ao fim. O imperador raramente encontrou um biógrafo tão denso e sem lados definidos: sem o sempre esperado “monstro corso” (contra) ou gênio militar e político (a favor). Continua interessado em narrativas biográficas e domina inglês? Hildegard of Bingen – The Woman of Her Age, de Fiona Maddocks (Image Books), foi uma descoberta muito feliz. A entrevista final com a Sister Ancilla no mesmo mosteiro onde morou a santa medieval é um recurso muito interessante para iluminar a tradição da grande doutora da Igreja.

Anseia explorar uma área nem sempre devidamente destacada? Aventure-se pela obra A Razão Africana – Breve História do Pensamento Africano Contemporâneo (Muryatan S. Barbosa – Todavia). O Racismo Estrutural, obra crítica de Silvio de Almeida (editora Jandaíra), ajuda em um tema que foi destaque em 2020. Na mesma coleção, a coordenadora da série, Djamila Ribeiro, tem texto indispensável: Lugar de Fala. Você se preocupa com o universo feminino e suas muitas abordagens? Mary del Priore escreveu Sobreviventes e Guerreiras: Uma Breve História da Mulher no Brasil de 1500 a 2000 (editora Planeta). 2021 demandará consciência social. Prepare-se!

Muitos e bons livros para todos os gostos. Ler dá perspectiva, vocabulário, ideias e companhia. Um bom texto aumenta seu mundo e o faz sair do senso comum. Embeber-se em histórias é viver de forma ampla. Já é um bom projeto para 2021. Ler é esperança, sempre.

Leandro Karnal é historiador e escritor, autor de ‘O dilema do porco-espinho’, entre outros. Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S Paulo

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