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O melhor detergente é a luz do sol

LEI DE MAURO MENDES ABALA ECONOMIA DE LEVERGER: Sem peixe, sem dinheiro, sem comida; Cota Zero impacta o comércio em Mato Grosso

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O melhor detergente é a luz do sol

Diferentes segmentos de cidades ribeirinhas de Mato Grosso, contabilizam prejuízos já no 1º ano da Lei 12.434/24, assinada pelo governador Mauro Mendes

Por Bruna Pinheiro / Formad

Esqueça as filas de carros, preços anunciados pelo megafone, famílias carregando sacolas de compras, vendedores ambulantes procurando troco, a lanchonete da esquina lotada. Ir ao Mercado Municipal do Peixe de Santo Antônio de Leverger (MT) não tem mais nada disso. Um ano de vigência da Lei 12.434/24, o Cota Zero, e o que se vê é um portão fechado, bancadas vazias e nenhum cliente. A única atividade que ainda persiste é o atendimento da Colônia de Pescadores Z8, já que a sala fica no espaço do mercado. Na terceira reportagem da série “Um ano depois: o que sobrou do Cota Zero em Mato Grosso?”, realizada pelo Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), saiba mais dos impactos no setor comercial das cidades que, historicamente, sempre dependeram da pesca.

Uma das cidades mais antigas de Mato Grosso, Santo Antônio de Leverger possui uma população estimada de menos de 17 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O município conserva bastante da arquitetura antiga do estado, com pequenas casas coloridas, ruas de pedra estreitas e o rio Cuiabá como um de seus destaques, porém, nem tanto assim.

O rio que servia de cartão-postal da cidade está cercado de tapumes e placas devido às obras de construção de calçadão e espaços de convivência da orla, na Avenida Beira Rio. O contrato da obra foi assinado em novembro de 2022, com prazo de conclusão para setembro de 2024, conforme relatório da Secretaria Estadual de Infraestrutura (Sinfra-MT), mas os serviços não estão finalizados.

Houve uma suspensão das atividades devido às festas de final de ano, com o retorno em janeiro de 2025, agora com uma nova previsão de conclusão: 24 de outubro deste ano. O valor da obra executada pela Lotufo Engenharia e Construções, empresa que contabiliza dezenas de obras públicas no estado, também sofreu alterações e subiu de R$9.924.346,40 para R$12.347.921,71 (dados do Diário Oficial de Mato Grosso).

Para os restaurantes e outros estabelecimentos, localizados à beira do rio, a obra em execução, há quase dois anos, é só mais um elemento que vem prejudicando as contas no final de todos os meses. Desde janeiro de 2024, com a proibição do armazenamento, comércio e transporte do pescado em Mato Grosso, das 12 espécies mais rentáveis, conforme determinado pela Lei 12.434/24, o que estava ruim, ficou ainda pior. E um dos poucos atrativos turísticos da cidade, tornou-se um canteiro de obras.

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Demiti três funcionários e fui obrigado a pedir ajuda a familiares para atender os clientes. Isso quando temos. Aquela história de reserva para mesas grandes, finais de semana, nem existe mais. Está bem feio, parado. Tenho contas a pagar que estão atrasadas há meses. A obra na orla já tinha afetado o movimento, com o Cota Zero ficou pior ainda, porque os clientes procuram os melhores peixes e são os que estão proibidos”, conta o Daniel* (nome fictício), responsável por um restaurante na orla que não quis se identificar por medo de alguma pressão.

Bancada vazia do Mercado do Peixe de Santo Antônio de Leverger (MT)

O trabalho em família, aliás, tem se tornado frequente em muitos comércios das cidades ribeirinhas em virtude do Cota Zero. Com a baixa nas vendas e lucros, os cortes nas equipes e salários acabam sendo inevitáveis. “Perdemos muito dinheiro já. Além dos pratos feitos aqui na peixaria, tínhamos o hábito de preparar os peixes trazidos por turistas, dos pesqueiros ou queriam levar para comer em casa. E não pode mais. Aqui estamos na escala de um trabalhando por dois, em família mesmo. Fazendo o possível para não fechar”, relata a Mayara Ribeiro, que trabalha em uma peixaria em frente ao Mercado do Peixe de Santo Antônio de Leverger.

“Se eles não pescam, ninguém tem dinheiro”

Com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 0,656 (dados do último Censo 2010), o município de Santo Antônio de Leverger tem na pesca e na agricultura de subsistência as bases de sua economia. Na cidade, quem não trabalha diretamente com o peixe depende dele como garantia nas vendas. No entanto, com o poder de compra reduzido nos últimos meses, os impactos são sentidos por diferentes segmentos comerciais, de lojas de roupas a mercados.

A Maria Eduarda Luz é atendente de um mercado na cidade há cinco anos e, desde 2024, sente a diferença. “Não tem um dia que um cliente abandone itens porque o dinheiro não dá. Vinha muita gente de Cuiabá para pescar e faziam compras grandes. Você via filas de carros nas portas das lojas. Dos moradores daqui, com a renda da pesca menor, as compras caíram bastante”.

Dona de uma loja de utilidades há 20 anos, Lenil Rosa, já contabiliza uma queda de 40% no faturamento. “Dependemos dos pescadores da região. Se eles não pescam ninguém tem dinheiro, não tem como comprar. Eu tinha um ajudante e o demiti por não ter mais condições de pagar. Está bem difícil honrar as contas. A vontade, às vezes, é de fechar mesmo”. 

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A sensação de estar andando por uma “cidade fantasma” ao cruzar as ruas estreitas de Santo Antônio de Leverger fica ainda mais dramática ao se deparar com várias placas de “aluga-se” ou “vende-se” imóveis. Há também diversos avisos sobre mudanças de endereços comerciais, com lojas fechadas e os seus proprietários dando continuidade às vendas em casa, pois as contas não se pagam sozinhas.

Quando comprou o ponto comercial da primeira farmácia do município, Bruno Roberto de Souza, tinha planos de expandir os negócios em família. Mas com o primeiro ano do Cota Zero a realidade hoje é outra. “Não existe mais o fluxo de turistas que tínhamos e o consumo na cidade. De quinta-feira em diante você via as lojas cheias desde cedo. À noite, os bares e restaurantes com os turistas retornando. É uma cadeia de compra. O cliente gasta na minha farmácia, passa no mercado, leva uma camiseta e assim todos ganham. Acredito que a tendência seja fechar ainda mais lojas ou os proprietários serem a sua própria mão de obra, como é o meu caso”.

Ele chama a atenção para outra problemática envolvendo o perfil de compra dos pescadores nos últimos meses e a crescente de casos de ansiedade, pressão alta e obesidade. “A pesca era também uma atividade física para essas pessoas e muitos estão parados. Como alguém vai conseguir pagar quinhentos reais de remédios por mês, por exemplo, sem a mesma renda e condições físicas e psicológicas que tinha? Os peixes liberados não têm bom valor agregado, então eles têm que pegar muito mais para garantir um dinheiro razoável”.

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Na reportagem a seguir: um projeto de lei apresentado pelo Governo de Mato Grosso em regime de urgência urgentíssima é aprovado pela maioria de deputados estaduais. A sociedade civil se organiza junto a colônias de pescadores e movimentos sociais em defesa da inconstitucionalidade da Lei. A pauta chega ao Supremo Tribunal Federal (STF) e nada mais acontece. Por quê?

“Um ano depois: o que sobrou do Cota Zero em Mato Grosso?” é uma série de reportagens assinada pela jornalista Bruna Pinheiro e produzida pela Secretaria Executiva do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), rede composta por quase 40 organizações socioambientais do estado, e que acompanha o Cota Zero desde o início da sua tramitação. O Formad está entre as entidades da sociedade civil que atuam na mobilização de pescadoras e pescadores em Mato Grosso, além do apoio jurídico ao processo e o combate à desinformação do caso.

FONTE – FORMAD – Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso  

Protesto de pescadores em Leverger contra Lei da Pesca de Mauro Mendes, em 22 de março de 2024. G1 MT.

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FOME AMEAÇA PESCADORES EM MT: Pedidos de inconstitucionalidade do Cota Zero no STF tramitam há quase dois anos sem respostas

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Lentidão processual do caso contribui para a continuidade de violações sofridas por pescadoras e pescadores em Mato Grosso

“Quem tem fome, tem pressa”, foi uma das frases proferidas por um pescador em uma das reuniões do Observatório da Pesca da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, em discussão sobre a Lei 12.434/24, o Cota Zero. Se quem tem fome tem pressa, a cada dia que passa, ela só aumenta e, há pelo menos um ano, desde que passou a vigorar a lei em Mato Grosso, ela vem fazendo parte da rotina de milhares de famílias. E quem olha para isso? A inconstitucionalidade do Cota Zero é alvo de três ações no Supremo Tribunal Federal (STF), ajuizadas ainda em 2023. Na terceira reportagem da série “Um ano depois: o que sobrou do Cota Zero em Mato Grosso?”, do Fórum Popular Socioambiental (Formad), a lentidão processual, após a celeridade pela aprovação da lei que proíbe a pesca em Mato Grosso, piora a situação de fome.

Entre a circulação da Mensagem 80/2023 do Governo de Mato Grosso e a aprovação da Lei 12.197/23 foram cerca de dois meses de tramitação na Assembleia Legislativa. A sanção do Executivo foi publicada em julho daquele ano, com o início de vigência da proibição do armazenamento, comércio e transporte de peixes no estado a partir de 1º de janeiro de 2024. Diante do cenário de violações às comunidades ribeirinhas e demais comunidades tradicionais que vivem da pesca, uma disputa judicial foi instaurada e o primeiro ingresso das três Ações Diretas de Inconstitucionalidade protocolado no Supremo Tribunal Federal (STF) foi em outubro de 2023. 

O processo tem como relator o ministro André Mendonça que propôs uma fase conciliatória, encerrada sem acordo entre as partes ainda no primeiro semestre de 2024, já que o governo de Mato Grosso recusou a proposta da Advocacia Geral da União (AGU) para a elaboração de um plano de gestão em parceria com o Ministério da Pesca. A alternativa do Executivo estadual: uma lista de 12 espécies proibidas que, em sua maioria, são as mais rentáveis para quem depende do peixe, a Lei 12.434/24, rapidamente aprovada pela ALMT.

“Houve uma grande preocupação quando ocorreram as duas audiências de conciliação nas ações diretas de inconstitucionalidade, pois sabemos que direitos fundamentais são inegociáveis. A conciliação estava inserida dentro da expectativa do poder executivo estadual de conseguir fazer acordo conforme seu entendimento e ‘sair bem na foto’. Contudo, durante esse período de conciliação, sem diálogo, o poder executivo estadual atravessou, unilateralmente, um projeto de lei, aprovado às pressas pela casa legislativa. Essa postura do poder executivo estadual indica que o apagamento e silenciamento da pesca artesanal no estado obedece à necropolítica instaurada em face dos pescadores e pescadoras artesanais”, analisa Bruna Medeiros Bolzani, advogada do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad). 

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Criado há mais de 30 anos, o Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad) é uma rede de organizações da sociedade civil que vem acompanhando o Cota Zero desde a sua tramitação, incluindo o pedido de habilitação na ação judicial como amici curiae, o acompanhamento processual, construção de análises, monitoramento, busca por informações por meio da Lei de Acesso à Informação, matérias jornalísticas, entre outros. Até hoje não foi julgado o agravo interno protocolado em agosto de 2024,  contra a decisão do ministro André Mendonça, que rejeitou o pedido de suspensão dos efeitos das duas leis do Cota Zero até a decisão final das ações. Quase um ano depois, o recurso continua sem apreciação pelos demais ministros.

O tempo passa e as dificuldades aumentam

Tendo 32 anos de carteira profissional como pescador, Benedito Ribeiro, da Comunidade Vereda, de Santo Antônio de Leverger (MT), prevê para 2025 os mesmos problemas vivenciados desde o início da vigência do Cota Zero, ou até piores. “Eu nasci na beira do rio, vim de três gerações de pescadores. Não tenho outra renda além da pesca. O governo tinha que saber como as pessoas aqui vivem pra saber o impacto dessa lei. Nós passamos o ano comendo ovo, arroz e feijão para sobreviver, com contas atrasadas, familiares com depressão. Ninguém sabe mais o que fazer e só nos resta esperar alguma decisão lá de cima”.

O “lá de cima” a que ele se refere é o Supremo Tribunal Federal (STF), que  segundo dados do Corte Aberta, o Portal da Transparência do órgão, soma 19.292 processos até maio de 2025. Com quase 2 mil ações, o ministro André Mendonça é o que possui o terceiro maior número de processos sob sua relatoria. Em média, de acordo com a plataforma do STF, o tempo de tramitação dos processos é de 388 dias, ou seja, pouco mais de um ano. As ações de inconstitucionalidade do Cota Zero encontram-se entre os mais de 6,7 mil processos sem decisão final e que dependem ainda de algumas fases como decisões colegiadas. 

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“Em outubro de 2023, o ministro relator adotou o rito abreviado no caso, com base no artigo 12 da Lei nº 9.868/1999, considerando que a análise judicial deveria ser tomada em caráter definitivo, o que significa que já poderíamos ter avançado significativamente no processo, mas ainda aguardamos o julgamento do recurso de agravo interno. Até o momento, o caso não passou por decisão colegiada nem pelo Plenário do STF, tendo somente decisões do ministro relator”, pontua Bruna Bolzani. 

Para a advogada do Formad, o panorama institucional é favorável à declaração de inconstitucionalidade das duas leis do Cota Zero, já que órgãos federais como a Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da República, Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, Defensoria Pública da União, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima por meio da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável, Ibama e também o Ministério da Pesca e Aquicultura já manifestaram este posicionamento. 

“É lamentável que, embora tenha sido adotado o rito abreviado para que o caso tramitasse de forma mais célere e o processo já esteja maduro para julgamento, haja essa demora, porque diz respeito à sobrevivência econômica, dignidade e segurança alimentar de milhares de famílias”, acrescenta.

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Na reportagem a seguir: conhecido por seu enorme potencial hídrico, Mato Grosso tem, na disputa pelo poder das águas, um grande entrave. E onde entra o Cota Zero nisso? O que a proibição do exercício da pesca no estado tem a ver com a expansão de empreendimentos hidrelétricos e outras atividades exploratórias? A quem interessa desmobilizar comunidades ribeirinhas e a sua defesa pelos territórios?

“Um ano depois: o que sobrou do Cota Zero em Mato Grosso?” é uma série de reportagens assinada pela jornalista Bruna Pinheiro e produzida pela Secretaria Executiva do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), rede composta por quase 40 organizações socioambientais do estado e que acompanha o Cota Zero desde o início da sua tramitação. O Formad está entre as entidades da sociedade civil que atuam na mobilização de pescadoras e pescadores em Mato Grosso, além do apoio jurídico ao processo e o combate à desinformação do caso. 

FONTE – https://formad.org.br/

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