Imprensa em debate
GIBRAN LACHOWSKI: O analista de jornais, revistas, telejornais, webjornais e tudo o mais pode dar-se ao luxo de fazer uma bela coleção de exemplos, do que merece ser extirpado, corrigido, potencializado, repetido, adaptado, tomado como modelo. Desse modo é que merece um conjunto de ajustes o material sobre o descredenciamento pelo MEC de duas universidades sediadas no Rio, geridas pelo grupo Galileo (Gama Filho e UniverCidade)
Imprensa em debate

Gibran Lachowski, jornalista, professor universitário e analista de midia, aponta deficiências na cobertura jornalistica da intervenção do MEC em duas universidades particulares do Rio de Janeiro – a Gama Filho e a UniverCidade
Por Gibran Luis Lachowski
Analisar materiais jornalísticos, para além do dever de ofício, quando se trata de um jornalista, pode se tornar algo prazeroso, até mesmo “um vício bom”. Afora a capacidade de alienar o analista dos assuntos familiares – se a conduta consumir tempo e tutano demais –, o ato de sempre ter um olhar crítico acerca do que se consome em termos de informação é salutar e mantém o cérebro ativo.
Se praticado costumeiramente, inclusive nas férias, serve de vacina a discursos contemporâneos que procuram dissociar jornalismo de postura crítica, como se a lida de reportar não embutisse também, de certo modo, interpretação, exame, opinião.
O exercício da análise exige gradativamente de seu executor um zelo com a percepção de critérios que possibilitem julgamentos justos, justificáveis e que não se contentem em somente “apontar o dedo”. É necessário, portanto, avançar: propor nova postura, com eliminação de ações, substituição de procedimentos, melhor aproveitamento de elementos potenciais.
Assim é que o exercício de analisar um produto jornalístico transforma-se numa conduta pautada em sólida base epistemológica, capaz de constantemente levar ao aborrecimento e ao entusiasmo. Afinal, intentar exercer a criticidade não tem nada a ver com o defeito de ser arrogante e arrotar palavrórios a esmo.
Sendo assim, o analista de jornais, revistas, radiojornais, telejornais, webjornais e tudo o mais pode dar-se ao luxo de fazer uma bela coleção de exemplos, do que merece ser extirpado, corrigido, potencializado, repetido, adaptado, tomado como modelo.
É assim que se busca caminhar na seara do jornalista e pesquisador Manuel Chaparro (2007) e de sua pragmática jornalística, fundada num fazer com reflexão que objetive o contínuo ato de servir a sociedade com vistas ao interesse público. Dessa maneira se revigora a importância de tomar o jornalismo a partir da concepção social, como oposta a visão mercantilista da profissão.
Um exemplo
Desse modo é que merece um conjunto de ajustes o material telejornalístico inicial sobre o descredenciamento pelo Ministério da Educação de duas universidades sediadas no Rio de Janeiro, geridas pelo grupo Galileo Educacional (Gama Filho e UniverCidade). A situação envolve cerca de 12 mil estudantes, 1,6 mil professores e mil funcionários administrativos. O assunto ocupa o noticiário há mais de uma semana. Hoje, com a evolução do caso, o grupo já admite suas falhas e pede desculpas públicas à comunidade acadêmica e a seus trabalhadores.
Contudo o material primeiro veiculado nas emissoras de tv destacou a indignação e desespero de universitários, seus pais e mães, por não saberem o que fazer após a decisão governamental. Não dá para entender o fato de essas peças jornalísticas não terem também abordado de forma mais incisiva o grupo que mantém as instituições educacionais. Da maneira como inicialmente as coberturas foram conduzidas, jogou-se o ônus todo para o governo federal.
Faltou explicar didaticamente a tramitação no ministério até que se chegue ao descredenciamento (atitude extrema) e, por consequência, a “transferências assistidas” dos acadêmicos para outras universidades. Isso auxiliaria o cidadão a entender melhor o peso das recentes avaliações negativas da instituição, assim como das dificuldades em pagar até mesmo salários a docentes e funcionários (como o noticiário mencionou).
Ao não fazer isso se omitiu informações e se construiu um cenário distorcido. Como pontua Luiz Costa Pereira Junior (2006) ao concentrar-se nos procedimentos de edição, é possível mostrar ocultando, assim como ocultar mostrando (uma realidade diferente ou distante da veraz).
Além disso, as equipes de reportagem de tv não deveriam ter se contentado com respostas via notas-padrão do Galileo, tamanho o problema em questão. Seria mais apropriado se fazer matérias com passagens de repórteres dizendo que, procurada, a administração do grupo não quis falar com a imprensa. Teria mais força simbólica e denotaria maior empenho em obter informações.
Haveria, desse modo, ao menos traços do tão propalado jornalismo cidadão, que se arvora em defesa das pessoas, segmentos e minorias afetados por injustiças sociais, ações empresariais e governamentais ou que se organizam para difundir publicamente suas demandas.
Caberia às emissoras de tv, quanto ao assunto em tela, também dizer o(s) nome(s) do(s) administrador(es) e mostrar sua(s) foto(s) – as redes virtuais sociais, “tipo” facebook, estão aí pra isso. Do jeito que o material foi feito, o Galileo não pareceria não ter face nem possuir alguém de carne e osso responsável pela situação. Em último caso, se o grupo não quisesse dar entrevista, as reportagens teriam de mencionar exatamente isso, citando, obviamente, quem responde pela firma.
Mais um apontamento: noticiou-se inclusive que as secretarias das duas instituições (UniverCidade e Gama Filho) estavam negando aos estudantes acesso a seus próprios documentos, porém as matérias não identificaram isto como um desrespeito à lei. Deveriam ter acrescido o dispositivo legal que proíbe as universidades de reterem dados dos acadêmicos (ou, em outras palavras, que garantem aos alunos o direito de ter em mãos papéis que dizem respeito a seus históricos escolares).
Por fim, teria sido um material inicial mais aferrado à realidade se não só pais e universitários fossem ouvidos, mas também professores e funcionários, posto que no ano anterior eles paralisaram atividades por falta de pagamento de salários. E não adianta alegar que assim as peças jornalísticas estariam pendendo para um lado que prejudicasse o Galileo. Não seria isso simplesmente porque professores e funcionários correspondem, obviamente, a um dos aspectos do assunto em questão.
“Apontar o dedo” e sugerir reformulação
Gostaria, na verdade, de ter indicado outros exemplos, vez que o hábito de analisar produz coleções cada vez maiores de exemplares dignos de observação. Porém, como se vê, dá trabalho e ocupa espaço “apontar o dedo” e, ao mesmo tempo, mostrar como poderia ser melhor (ou como deveria ter sido).
De todo modo, é assim, expondo e fundamentando, que podemos manter atual e imprescindível a conduta crítica – que subentende a autocrítica –, capaz de nos orientar nesse mar imenso, sedutor e belo de informações.
Gibran Luis Lachowski é jornalista e professor universitário em Mato Grosso


Brasil, mostra tua cara
DEU NA VEJA: As revelações do livro de Eduardo Cunha sobre bastidores do golpe conta Dilma

JANUARY 21, 2021

Na antevéspera do feriado de Nossa Senhora Aparecida, em 2015, uma reunião secreta na sala do apartamento do deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), no 9º andar de um prédio de luxo de frente para a praia de São Conrado, na Zona Sul do Rio de Janeiro, definiu os rumos da história recente do país. Na manhã daquele sábado ensolarado, quatro políticos — além do anfitrião Maia, o então poderosíssimo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Carlos Sampaio, à época líder do PSDB na Casa, e o também tucano Bruno Araújo, o atual presidente nacional da legenda — acertaram como encaminhariam os procedimentos que resultaram, dez meses depois, no impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os detalhes da trama desenhada pelo quarteto, em meio a goles de café e água, estão no livro-bomba Tchau Querida, o Diário do Impeachment, de 740 páginas, escrito por Cunha, hoje um político em desgraça, cassado, condenado a catorze anos e seis meses de cadeia e cumprindo prisão domiciliar. VEJA teve acesso a trechos do livro do ex-deputado, que acaba de fechar contrato de publicação com a editora Matrix, com lançamento previsto para abril.

Na narrativa em primeira pessoa, escrita em parceria com a filha mais velha, Danielle, Eduardo Cunha, de 62 anos, reconstitui as articulações nos bastidores para o afastamento definitivo de Dilma na época em que, graças a uma intrincada rede de troca de favores, tinha na palma da mão os rumos das votações na Câmara. Uma de suas revelações se refere ao papel, que ele afirma ter sido decisivo e francamente oportunista, do então vice-presidente Michel Temer. “Não foi apenas o destino ou a previsão constitucional que fizeram Michel Temer presidente da República. Ele simplesmente quis e disputou a Presidência de forma indireta. Ele fez a ‘escolha’ ”, relata Cunha. “Foi, sim, o militante mais atuante. Sem ele, não teria havido impeachment”, garante.
Em seus cinquenta capítulos, o livro aborda decisões do Supremo Tribunal Federal e brigas jurídicas com o PT ao longo da batalha do impeachment. Tomando por base observações de difícil confirmação, por serem tiradas de conchavos que não vinham a público, Cunha descreve, com críticas a ex-aliados, as reuniões, jantares e conversas de que participou nos bastidores de Brasília, na busca de votos para abrir o processo. A certa altura, as rajadas de sua magoada metralhadora giratória apontam para Maia, que ocuparia seu cargo no comando da Câmara: “Não tinha limites para a sua ambição e vaidade. Na busca pelo protagonismo, Rodrigo Maia quis forçar ser o relator da Comissão Especial de Impeachment. Eu tive de vetar”. No seu julgamento, o DEM não tinha a força política necessária.

Em outro momento, entra na mira o deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), por sua vez, candidato agora de Maia e do PT à mesma presidência da Câmara. Segundo Cunha, Rossi fez parte do grupo que articulou contra Dilma, embora tivesse, ele próprio, contas a prestar. “A empresa Ilha Produção Ltda., pertencente ao irmão de Baleia e a sua mulher, recebeu nas campanhas eleitorais de 2010, 2012 e 2014 milhões de reais em pagamentos oficiais e caixa dois, inclusive da Odebrecht”, afirma Cunha. Procurados por VEJA, Maia, Temer e Rossi infelizmente não comentaram as afirmações que, ressalte-se, são apenas a versão de Cunha. O presidente Jair Bolsonaro também é citado na obra. “O primeiro pedido de impeachment coube ao então deputado (…), em função das denúncias de corrupção na Petrobras. Eu rejeitei o seu pedido. De todos os pedidos por mim rejeitados, Bolsonaro foi o único que recorreu”, relata.
Após a saída de Dilma, Cunha caiu rapidamente em desgraça. Em setembro de 2016, um mês depois do impeachment, ele foi cassado por quebra de decoro, ao mentir sobre a existência de contas na Suíça. Em outubro, pego pela Operação Lava-Jato, foi parar na cadeia por corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Condenado, cumpriu três anos e cinco meses em regime fechado em três locais: na sede da Polícia Federal, em Curitiba, no Complexo Médico-Penal do Paraná e, por último, em Bangu 8, no Rio. No ano passado, por estar no grupo de risco da pandemia, obteve o direito de cumprir a pena em casa, em um condomínio na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Lá, mora com a mulher, a jornalista Cláudia Cruz, e recebe familiares e visitas que ainda o chamam de “presidente”. A título de moral da história, seu livro lembra a participação do PT no processo de impeachment de Fernando Collor, em 1992, para proclamar: “Quem com golpe fere, com golpe será ferido”.
Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722
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