O melhor detergente é a luz do sol
Eu sem fé, adoro a religião. Um artigo do saudoso filósofo italiano Umberto Eco
O melhor detergente é a luz do sol

“Acho que a verdadeira dimensão ética começa quando o Outro entra em cena. Até os leigos virtuosos estão convencidos de que o Outro esteja dentro de nós. Não se trata de uma vaga inclinação emotiva, mas de uma condição fundamental. Assim como não podemos viver sem comer ou dormir, não podemos compreender quem somos sem o olhar e a resposta dos outros”, escreve Umberto Eco, escritor, semiólogo e linguista italiano falecido em 19 de fevereiro de 2016, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 14-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Sempre fui fascinado pela figura de um apóstata que permanece ligado aos mitos, imagens e ideias da religião que ele abandonou. E isso porque, mesmo em meus escritos subsequentes, o meu abandono da fé sempre foi acompanhado por um fascínio pelo pensamento medieval e pelo respeito pelo universo religioso. Sei que esse é um sentimento ambíguo, mas gostaria de oferecer um exemplo do que aconteceu quando escrevi meu primeiro romance, O Nome da Rosa. É ambientado na Idade Média e apresenta as visões contrastantes da verdade e da fé que já estavam surgindo naquela época. O romance foi imediatamente atacado por alguns críticos católicos (especialmente da revista dos jesuítas, “La Civiltà Cattolica”), mas nos anos seguintes recebi quatro títulos honorários de quatro universidades católicas, a Universidade de Louvain, a Universidade Loyola, a Universidade Santa Clara e o Pontifício Instituto de Toronto. Não sei dizer quem estava certo, mas fico feliz que os sentimentos contraditórios que me acompanharam até agora tenham aflorado também através do meu romance.
Outra prova do meu interesse pelos problemas religiosos foi a troca de correspondências que aconteceu em 1996 com o cardeal Martini, o arcebispo de Milão (In cosa crede chi non crede? ou Quando entra in scena l’altro, agora em Cinque scritti morali) que tinha aceitado dialogar com um não crente e o fez com uma mente aberta e grande respeito pelos pensamentos alheios. Gostaria de citar meu último comentário sobre a ética daquele diálogo. Martini perguntou-me: “Qual é o fundamento da certeza e da imperatividade das ações morais de quem, para estabelecer o carácter absoluto de uma ética, não pretende apelar a princípios metafísicos ou a valores transcendentais ou mesmo imperativos categóricos universalmente válidos?”. Procurei explicar os fundamentos sobre os quais assenta a minha “religiosidade leiga”, porque estou firmemente convencido de que existem formas de religiosidade mesmo na ausência de uma fé numa divindade pessoal e providente. Comecei abordando o problema dos “universais semânticos”, isto é, aquelas noções elementares que são comuns a toda a espécie humana e que podem ser expressas em todas as línguas. Todas essas noções comuns a todas as culturas referem-se à posição do nosso corpo no espaço. Somos animais eretos, por isso é cansativo ficar de cabeça para baixo por muito tempo, por isso temos uma noção comum de “para cima” e “para baixo”, tendendo a favorecer o primeiro em relação ao segundo. Da mesma forma, temos a noção de esquerda e direita, de ficar parado e caminhar, de ficar em pé ou deitado, de engatinhar e pular, de acordar e dormir. Como temos membros, todos sabemos o que significa bater contra um material resistente, penetrar numa substância macia ou líquida, esmagar, bater com os dedos, socar, chutar, talvez até dançar. A lista poderia ser longa e incluir ver, ouvir, comer ou beber, engolir ou excretar. E certamente todo ser humano tem algumas noções sobre o significado de perceber, lembrar, sentir desejo, medo, dor ou alívio, prazer ou dor, e fazer sons que expressam essas coisas. Portanto (e já estamos no âmbito dos direitos) existem conceitos universais sobre a constrição: não queremos que ninguém nos impeça de falar, de ver, de ouvir, de dormir, de engolir, de expelir, de ir aonde quisermos; sofremos se alguém nos amarra ou nos separa, nos espanca, nos fere ou mata, ou nos sujeita a torturas físicas ou psicológicas que diminuem ou anulam a nossa capacidade de pensar.
Esses sentimentos básicos podem ser tomados como a base de uma ética. Em primeiro lugar, devemos respeitar os direitos da corporeidade dos outros, que incluem também o direito de falar e pensar. Se nossos companheiros tivessem respeitado esses “direitos do corpo”, nunca teríamos o Massacre dos Inocentes, os Cristãos no circo, a Noite de São Bartolomeu, a fogueira dos hereges, a censura, o trabalho infantil nas minas ou o Holocausto. Acho que a verdadeira dimensão ética começa quando o Outro entra em cena. Até os leigos virtuosos estão convencidos de que o Outro esteja dentro de nós. Não se trata de uma vaga inclinação emotiva, mas de uma condição fundamental. Assim como não podemos viver sem comer ou dormir, não podemos compreender quem somos sem o olhar e a resposta dos outros.
FONTE INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS
ADITAL
Eu sem fé, adoro a religião. Artigo de Umberto Eco – Instituto Humanitas Unisinos – IHU


O melhor detergente é a luz do sol
SAÍTO: Como ser feliz na comédia contemporânea? Ser ou não ser não é mais a questão

Modernidade implacável
POR GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO
Existe uma máxima que anda por aí bastante difundida, circunspecta que só – não julgueis ou da forma que julgais, será julgado. É muito interessante adaptá-la à razão. Por exemplo, como a pessoa se reconhece? Poderíamos afirmar que seria conhecendo a si próprio, ou mesmo através de um complexo processo de autoavaliação constante ou reflexão profunda sobre o “eu” individual. Poderíamos, mas não sem errar.
Sabemos, a partir do pensamento moderno, em especial o de Lacan, que o ser se reconhece no outro; sim, na alteridade, na comparação dialética entre aquilo que sou – de comportamento, atitude, forma de posicionar frente às vicissitudes da vida – e o que tudo isso representa no outro ou de como esse outro se manifesta. Vejamos, então: o reconhecer-se no outro não é um processo de julgamento? Pois bem. Nos acertos e erros do outro é que descobrimos a nós em acertos e erros, também. Assim, a partir daquilo que julgamos acertado ou errado no outro é que definimos e caminhamos solitariamente para a própria subjetivação.
Neste exato momento, lendo estas palavras iniciais, já estamos concordes ou discordes; julgando, portanto. Talvez o pregador queira se referir a um julgamento mais puro, sem os pecadilhos da maledicência, inveja e outros sentimentos tão ou bem menos nobres. Seria desta forma: não julgueis por preconceito, sem razoabilidade, senão… O julgamento dos amigos, do vizinho, dos colegas de trabalho, da família, enfim, todos e dos mais variados tipos, estão no dia a dia de cada qual e para cada qual.
Nas redes sociais, os julgamentos são mais abertos, transparentes, à exceção é o anonimato, deste o sufixo já diz tudo. Consideremos o Facebook – das curtidas ou não, já que a ferramenta está a um “clic” do interessado, se pode sentir a reprovação ou aprovação de seu texto ou comentário; ou ainda, a teimosia ou mesmo a indiferença a ele, que não é surda, mas eloquente. Julgou-se eletronicamente e em tempo real, e o autor pode avaliar os “amigos”.
O anonimato se relaciona mais com os sites de notícias, nos comentários. Tirando o conteúdo que de cara se percebe a veia da vingança ou de falta de cultura e conhecimento, têm-se verdadeiras lições a tirar. Os teóricos sociais deveriam debruçar mais sobre isso. Há uma coerente participação popular neles. Antes, os comícios e reduzida plateia; agora, uma corresponsabilidade no produzido e no resultado. A máscara cai ou lhe é devida dependendo da argumentação dos comentaristas, anônimos ou não. Contra eles se tentou até regulamentação. Suas potestades permaneceram incólumes.
O recato, a paz dos inocentes, não prevalece mais, foi-se embora, impotente. Está-se a criar novas tolerâncias. Se seu nome aparece no Google, e de forma injusta, a justiça dos novos julgamentos te servirá como redenção. Para analisar todo esse material histórico, somente os historiadores não bastam, tornamo-los. Nisso somos bacharéis e sem qualquer certificado universitário ou ético, muito menos dos necessários referenciais teóricos e da disciplina acadêmica. O grito de Fidel – “condenem-me, não importa, a história me absolverá” – ecoa livremente na consciência, mais ou menos crítica, de seus amigos ou detratores, tudo a depender dos julgamentos modernos, de tempo real, e da “generosidade” postada nos bancos de dados eletrônicos. A profundidade dos acontecimentos não importa mais, todos queremos participar. A capacidade é detalhe dos desavisados.
E diante disso, como ser feliz na comédia contemporânea? Ser ou não ser, que desculpemos a Shakespeare, não é mais a questão. É outra a inquietação: de sobrevivência, de dramaturgia. De minha parte, creio no julgamento divino e na misericórdia de Seu Filho primogênito. Àquele que não o procurou durante a vida, posto seus honorários não se pagar com qualquer vintém, o que terá? O julgamento dos iguais e anônimos, de sentença arquivada no Google. Ou não?
É por aí…
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO, o SAÍTO, tem formação em Filosofia e Direito, autor do Bedelho.Filosófico no Facebook e Instagram
(e-mail: [email protected]).
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