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O melhor detergente é a luz do sol

A maior operação policial do Judiciário brasileiro contra venda de sentença só prendeu um negro, até agora   

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O melhor detergente é a luz do sol

 

Corrupção no Judiciário: um negro na cadeia e pedido de prisão do desembargador branco indeferida

POR ENOCK CAVALCANTI 

 

 

Corria o dia 5 de dezembro de 2023, final de expediente, quando o advogado Roberto Zampieri, de 56 anos, afrouxando a gravata, saiu de seu escritório, no bairro Bosque da Saúde, em Cuiabá, e entrou em uma picape Fiat Toro para tomar o rumo do descanso noturno, em sua residência. Ali mesmo, em frente ao seu local de trabalho, na moita, um atirador o espreitava, pronto para executá-lo. 

Com a pistola em mãos, o assassino a colocou dentro de uma caixa para abafar o barulho dos disparos e, demonstrando boa pontaria, acertou diversos tiros no advogado que, sem chances de defesa, ali mesmo morreu, certamente estupefato, ensanguentado no banco do veículo. A gente lembra logo das execuções mafiosas, nos filmes estrelados por  Joe Pesci, Lee Marvin, Vincent Cassel, Harvey Keitel, Robert De Niro…

(Para desgraça de Mato Grosso e de sua gente, Roberto Zampieri não foi o único advogado metralhado, recentemente. Renato Gomes Nery, 72, ex-presidente da OAB-MT, personagem bonachão das noites cuiabanas, foi assassinado em esquema semelhante de pistolagem, também em Cuiabá, no dia 5 de junho de 2024.) 

A repercussão da morte e a forma brutal da execução, lembrando os tempos em que Mato Grosso aparecia como “o Estado do 44” (arma de grosso calibre), viraram capa em diversos veículos de comunicação do Estado e também do Brasil. Desde que foi para as manchetes, há mais de ano, a execução do advogado Roberto Zampieri, com diversos balaços, vem se mantendo nas manchetes. Um crime que chocou Cuiabá, chocou Mato Grosso, chocou o Brasil. 

Diante do assassinato de um “colarinho branco” e de toda a exposição midiática do crime, nos saites, no rádio e na TV, as autoridades policiais tiveram que se mexer. E continuam se mexendo. Ainda há muito que se revelar.  

A Polícia, pelo que se conta, iniciou uma “profunda investigação” para descobrir quais foram os responsáveis pela morte de Roberto Zampieri, e uma das primeiras iniciativas dos investigadores, que segue reverberando, foi a apreensão do celular do advogado morto. O que não se sabia era que, no celular do advogado, se escondiam muitos registros, em áudio, textos e fotos, envolvendo a sempre comentada e nunca provada prática de venda de sentença por membros do Poder Judiciário, desde instancias mais singelas, onde jurisdicionam juízes, mas também em Tribunais de Justiça, onde atuam os desembargadores e, também, nos altos Tribunais Superiores, lá em Brasília, espaço de atuação da elite da Justiça, formada pelos ministros, sempre entronizados a partir de uma decisão da presidência da República,

O caso ainda está sob investigação, mas já se cogitou que, após detectadas as informações sobre a venda de sentença, a todo custo foi tentado abafar os fatos. Um juiz de Cuiabá proferiu decisão segundo a qual só ele poderia ter acesso ao celular, acautelando o telefone. Familiares de Zampieri pretenderam que o celular do causídico, que concentrava tanta informação inesperada, fosse destruído, incinerado, quem sabe jogado no Portão do Inferno. Tímida, em Mato Grosso, no princípio, a cobertura jornalística foi ganhando corpo, a partir do momento em que os jornalões brasileiros, como o Estadão e a revista Veja, abriram suas páginas para o desdobramento do caso e para a continuada revelação dos vazamentos, apesar do alegado segredo de Justiça. O segredo de Justiça, pelo que se vê, nunca é para todos e todas.

O aparelho telefônico do Zampieri se revelou, mesmo, um celular bomba, fazendo com que as investigações policiais se irradiassem pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, pelo TJ do Mato Grosso do Sul, chegando mesmo a lançar suspeitas sobre figuras com atuação no Superior Tribunal de Justiça e mesmo no Supremo Tribunal Federal. Zampieri era capaz de articulações que ninguém imaginaria que um advogado até então desconhecido fora da bolha da advocacia cuiabana, fosse capaz de desenvolver. No insólito aparelho falava-se de tratativas para comercialização de decisões judiciais nas mais diversas e inesperadas instâncias. O que tanto se suspeitava, de repente, estava ali, em toda sua materialidade. Fez sucesso, provocou alguns risos, por exemplo, a imagem gordota do desembargador Sebastião de Moraes, exibindo-se no zap do Zampieri com o uniforme do glorioso Botafogo de Futebol e Regatas, o time de Didi, Nilton Santos, Garrincha e Gerson, o Canhotinha de Ouro. As revelações vão surgindo aos borbotões. Nem se precisou de um hacker, como no caso da Vaza Jato, que implodiu com os alicerceres da chamada República de Curitiba. O celular de Zampieri entrega suas revelações diretamente para as autoridades policiais e alguns jornalistas mais antenados com personagens da trama.

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Estamos diante de um enredo no qual só escritores especialistas nas tramas de tribunais, como John Grisham, Scott Turrow, William Landay, Frederic Forsythe ou Erle Stanley Gardner haviam antes se arriscado, e que irrompia assim, de repente, desafiando todas as pautas, como um “caso verdade” que a imprensa mato-grossense, certamente, não está preparada para devassar – e cujos desdobramentos e revelações tem dependido, em grande parte, da arte da reportagem de jornalistas como o veterano Fausto Macedo, a partir de Sampa, e dos escavadores de bastidores que alimentam as páginas do Portal Metrópoles, de O Globo, do Portal UOL, da revista Veja e da Folha de S.Paulo, com melhor acesso aos tribunais superiores, lá no DF. Saites jurídicos especializados como o Consultor Jurídico, o Jota e Migalhas tem se mantido muito discretos na cobertura desses rumorosos inquéritos, submetidos ao segredo de Justiça, tanto no Conselho Nacional de Justiça quando no STJ e STF, onde as decisões dependem da pena de ministros como Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, e Cristiano Zanin, nomeado por Lula para a Suprema Corte. 

O fato é que agora, depois dessa devassa que vem acontecendo no TJ-MT e demais instâncias, se sabe, como nunca, que existiam os compradores de sentença (advogados e partes interessadas), existiam os vendedores de sentença (magistrados) e, nestes casos mais específicos, em que interveio Zampieri, até mesmo um intermediário, um corretor negro, chamado Andreson de Oliveira Gonçalves, que são suspeitos de fazer o dinheiro circular, entre as muitas partes pretensamente envolvidas neste jogo sujo. Afinal, é da prostituição da tutela jurisdicional de que se está falando.  Imagino que não exista, para um magistrado que procure honrar o seu mister, coisa mais degradante do que a acusação de que ele possa ser um vendedor de sentença. Cada profissional com a sua agonia. A tutela jurisdicional foi estabelecida, nas modernas democracias, para ser exercida por meio de um processo judicial, onde as partes podem apresentar suas razões e provas para que a demanda seja pacificada por um juiz imparcial – jamais por um juiz vendilhão, um bandido de toga.

Expondo resumidamente uma parte dos fatos que pesam contra os magistrados investigados, e que foram objeto da chamada Operação Sisamnes, deflagrada pela Policia Federal para investigar os  crimes de organização criminosa, corrupção, exploração de prestígio e vazamento de informações sigilosas (quem sou eu para açambarcar todas as implicações desse caso rumoroso!), o que constato, como dado curioso, é que um dos juízes atingidos pelas investigações foi o magistrado da Comarca de Vila Rica, do interior mais profundo de Mato Grosso (1.162 quilômetros da capital), cujo nome é Ivan Lúcio Amarante – e Ivan é uma pessoa branca, olhos castanhos, cabelo baixinho, acusado de vender sentença o que, em se tratando do Judiciário, é um crime considerado muito grave, o mais grave.

O desembargador Sebastião de Morais, um dos decanos do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, e que também é suspeito de vender sentença em negociações com o advogado Zampieri, também é branco, estatura baixa. Encontra-se afastado de suas funções, preventivamente e nega todas as acusações apresentadas contra ele.

Joao Ferreira Filho, outro desembargador mato-grossense investigado e já afastado preventivamente de suas funções pelo Conselho Nacional de Justiça, é também branco, olhos castanhos. 

Uma das mulheres acusadas de pretensamente ocultar e lavar dinheiro para o desembargador João Ferreira Filho, a senhora Alice Terezinha Artuso, citada como sua filha e servidora do TJMT, pelo que se viu na mídia, tem cabelos bem claros, longos e bem cuidados, quase loiros, olhos claros. A batida policial, além de revelar que Alice tratava de praticamente toda movimentação financeira de interesse do desembargador João Ferreira Filho, no seu questionado relacionamento com Roberto Zampieri, também documentou a localização de uma quantidade do entorpecente cetamina em seu endereço, o que a obrigou à assinatura de um termo circunstanciado, mas a branca Alice teve a sua liberdade garantida. 

Andreson de Oliveira Gonçalves, o lobista – apontado nas investigações e nas reportagens como peça-chave em meio ao escândalo de venda de decisões judiciais de repercussão nacional, que, partindo do TJ-MT envolveu também o  Superior Tribunal de Justiça (STJ) – esse lobista e empresário, por ter se passado por advogado registrado na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Pará e ter representado ilegalmente clientes no segundo mais importante tribunal do país – bem, esse personagem é negro, e dentro do núcleo jurídico da trama, é o único suspeito e acusado que está preso, detido pela Policia Federal desde o dia 26 de novembro de 2024. A corda, até aqui, arrebentou, pelo visto, apenas do lado de um negro. É um dado para a análise daqueles que se preocupam com o que acontece com a negritude, no Brasil.

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Cabe a reflexão: o desembargador João Ferreira, pelo que se pode deduzir até aqui e pelo que informam os documentos da Policia Federal, vendia a sentença e sua filha, a senhora Alice Terezinha, recebia o dinheiro relativo a essa venda de sentença e adquiria bens de luxo para o desembargador, tanto que posteriormente as aquisições apareciam no imposto de renda do magistrado. Essa manobra, assim descrita em documentos da PF, além da venda da sentença envolve ocultação, fraude e lavagem de capitais, crimes que me parece de potencial ofensivo maior do que a ação de alguém que intermediava o comércio de sentenças. 

Cabe destacar, além do mais, para ilustrar a sorte dos cidadãos brancos, de que trato aqui, cabe informar que o ministro piracicabano Cristiano Zanin Martins, que é branco, recebeu no final de dezembro de 2024, pedido dos delegados da Policia Federal para que o branco desembargador mato-grossense João Ferreira Filho fosse preso, mas Zanin preferiu seguir o parecer das autoridades da PGR segundo as quais as medidas cautelares adotadas são suficientes para assegurar a aplicação da Lei Penal e evitar novas práticas delitivas.

Diante dos lamentáveis fatos aqui expostos resumidamente, já que a investigação prossegue e deve ser muito mais ampla, o fato que se tem é que, de todos os acusados, do núcleo jurídico, só o negro está preso em Cuiabá, recolhido à cadeia em RDD – Regime Disciplinar Diferenciado, um regime de cumprimento de pena mais rígido do que o regime fechado. Esse regime é aplicado a presos provisórios e condenados que cometem crimes dolosos ou que apresentam alto risco para a segurança.  As principais características do RDD são: Células individuais, Limitações ao direito de visita, Limitações ao direito de saída da cela, Maior grau de isolamento, Restrições de contato com o mundo exterior. Ou seja, Andreson é encarado como um bandidaço. E talvez seja. Mas é certo que esse negro não agia sozinho. E o que temos é que esse negro, dentro dessas investigações quanto ao núcleo jurídico, é um preso solitário.

No presidio, Andreson único preso que, certamente por coincidência, é negro, pelas informações que nos chegam,  tem reclamado que há falhas na entrega de seus medicamentos, não recebe o tratamento de saúde que reivindica, já que estaria sofrendo picos de glicose dentro da cela, justamente pela falta dos remédios necessários. Sua saúde já estaria debilitada, iniciando processo depressivo, o que, como se sabe, em muitos casos, já levou pessoas à morte.  São alegações que, sem dúvida nenhuma, dentro dessa que é apontada como maior operação para apuração de pretensa corrupção em nosso sistema de Justiça, devem ser investigadas e esclarecidas para melhor conhecimento da sociedade.

O preto, que terá também que responder por acusações de possível envolvimento com o crime organizado, é o único suspeito submetido à prisão e a todas as pressões daí derivadas. Já os brancos, acusados de crimes graves, estão acautelados com tornozeleiras, tiveram celulares e computadores apreendidos, foram proibidos de viajarem para fora do Brasil. Mesmo com medidas cautelares ampliadas, o fato é que seguem soltos, e devem ter curtido com maior tranquilidade a consoada natalina e a festa de chegada do ano novo em companhia de familiares e amigos. Imagino que não terão ânimo para brincarem o Carnaval, mas se quisessem…

Fica a reflexão: Por que o negro, nessa fase de inquérito, não recebeu tipo a mesma punição de ser monitorado através uma tornozeleira na canela nas 24 horas do dia, grande restrição que foi adotada com  relação a todos os brancos e brancas envolvidos na mesma investigação, em se tratando no núcleo jurídico da pretensa quadrilha?  

Como ainda há certamente muitas outras revelações a serem feitas no decorrer deste caso, nos parece justo buscar um tratamento de equilíbrio. Só assim  o Judiciário de Mato Grosso, e todas as demais instâncias investigadas – com seus  magistrados,  advogados,  servidores e  lobistas – poderão ser passadas a limpo de uma forma equânime, sem que se abra brechas para que se fale no privilegiamento de quem quer que seja.

 

 

ENOCK CAVALCANTI, 71, jornalista, é editor do blogue PAGINA DO ENOCK que se edita a partir de Cuiabá, Mato Grosso, desde o ano de 2009. 

 

João Ferreira, o desembargador, Andreson Oliveira, o lobista e Alice Artuso, servidora do TJMT, filha do desembargador

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AMBIENTE DE TRABALHO INSEGURO E ADOECIDO: Ministério Público do Trabalho obtém condenação de frigorífico Minerva, de Mato Grosso, em R$ 1 milhão por tentar esconder acidentes e doenças dos trabalhadores

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A Justiça do Trabalho condenou o frigorífico Minerva S.A., com filiais em Mirassol D’Oeste/MT e Paranatinga/MT, a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão. Na ação civil pública (ACP) movida pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT), ficou comprovado que a empresa mantém quadro generalizado de subnotificação de acidentes e doenças do trabalho, demonstrando resistência em comunicar às autoridades competentes os agravos ocorridos com seus(suas) empregados(as).
Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-MT). 
Na ação, o MPT salienta que não foram emitidas Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) correspondentes ao total de benefícios concedidos pela Previdência e que decorreram, inegavelmente, de acidentes de trabalho. No curso das investigações, o órgão constatou, ainda, que empregados(as) foram desligados(as) irregularmente no período de estabilidade conferido pelo art. 118 da Lei 8.213/91, sem o pagamento das verbas correspondentes, perfazendo um prejuízo direto aos(às) trabalhadores(as) de aproximadamente R$ 104 mil.
Além de outros ilícitos apontados na ACP, o MPT  ressalta que as subnotificações de acidentes de trabalho foram também identificadas a partir da análise de reclamações trabalhistas ajuizadas em face da empresa no âmbito do TRT-MT.
“Verifica-se um quadro generalizado de subnotificação de acidentes e doenças do trabalho, a partir da análise dos benefícios acidentários sem CAT emitida; benefícios previdenciários com NTEP [Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário] sem CAT emitida; afastamentos inferiores a 15 dias com NTEP sem CAT emitida; reclamações trabalhistas em que evidenciada a subnotificação; e ausência de notificação de acidentes graves de trabalho ao Sinan [Sistema de Informação de Agravos de Notificação]”, resumiu o órgão na ação.
O NTEP é a sigla para Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, ferramenta auxiliar da Previdência para caracterizar a incapacidade como acidentária (relacionada ao trabalho) em determinadas situações. O MPT explica que, havendo nexo técnico entre a enfermidade e a atividade da empresa, presume-se a natureza ocupacional do acidente ou doença, de modo a exigir a emissão de CAT.
O órgão frisa que o reconhecimento e a notificação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, via CAT e Sinan, são imprescindíveis para uma vigilância da saúde do trabalhador eficaz. “Isso porque, sem reconhecer nem notificar tais acidentes, a empresa deixa de conhecer do que estão adoecendo os trabalhadores, inviabilizando, consequentemente, a adoção de providências para combater os fatores de risco.”
Para o MPT, o ato de sonegação da CAT mascara um meio ambiente de trabalho inseguro e adoecido. “A sonegação de CATs, na perspectiva coletiva e de interesse público, é, ao mesmo tempo, circunstância conformadora e sintoma de um comportamento patronal desidioso com o dever jurídico de diagnóstico, gestão e eliminação de riscos à saúde no contexto laboral e, por conseguinte, com o direito humano ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável. Em um cenário desidioso como este, o resultado só pode ser mais acidentes e/ou adoecimentos e, consequentemente, maior oneração do sistema público de previdência social.”
Na sentença, o juiz Ulisses de Miranda Taveira, titular da Vara do Trabalho de Mirassol D’Oeste, asseverou que a empresa incorreu “em flagrante violação aos deveres que lhe são impostos pela legislação vigente, pois não lhe é permitido escolher entre notificar ou não o infortúnio sofrido pelo trabalhador no exercício de suas funções laborais quando a lei impõe a notificação, ainda que se trate de fato suspeito”.
Obrigações
O magistrado julgou procedentes os pedidos formulados pelo MPT e condenou o frigorífico a obrigações de fazer e não fazer, sob pena de multa de R$ 50 mil por trabalhador(a) atingido(a).
A decisão é válida para todas as filiais no estado. Sobre a questão, Taveira ponderou: “Não há que se falar em limitação da condenação à região de Mirassol D’Oeste, conforme pretende a Ré, de modo que reconheço que as lesões ao meio ambiente laboral ocorriam em todas as unidades da Reclamada que se encontram espalhadas por todo o Estado do Mato Grosso”.
A empresa deverá emitir as CATs relativas aos acidentes e doenças ocupacionais ocorridos e apontados pelo MPT na investigação e, além disso:
(1) Emitir Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, sempre que ocorrer acidente ou doença, incluindo os típicos e atípicos, que acarretem afastamentos inferiores ou superiores a 15 dias;
(2) Promover a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude das condições especiais de trabalho por meio da emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CATs);
(3) Emitir Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) para as doenças cujo CID possua nexo causal presumido com a atividade econômica desenvolvida;
(4) Considerar, na avaliação do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além da anamnese, do exame clínico (físico e mental), de relatórios e dos exames complementares, informações como: a história clínica e ocupacional atual e pregressa, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; o estudo do local de trabalho; a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhadores expostos a riscos semelhantes; e o depoimento e a experiência dos trabalhadores(as);
(5) Garantir o encaminhamento, à Vigilância em Saúde do Trabalhador do Município, de informações aptas a viabilizar a regular alimentação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan);
(6) Adotar modelo de investigação de acidentes e doenças relacionados ao trabalho, pelo SESMT e CIPA, a fim de que as investigações resultem em intervenções com foco no processo de trabalho, treinamentos e instruções aos empregados para prevenção de novos eventos;
(7) Disponibilizar, aos integrantes da CIPA, curso/treinamento sobre o Método de Investigação e Análise de Acidentes de Trabalho;
(8) Abster-se de dispensar sem justa causa empregados em gozo da garantia provisória de emprego prevista no art. 118 da Lei 8.213/91.
A Minerva também foi condenada a pagar uma indenização substitutiva da estabilidade provisória de emprego de 12 meses a todos os(as) empregados(as) que receberam auxílio por incapacidade, seja o Auxílio Incapacidade Temporário Acidentário (B91) ou Auxílio Incapacidade Temporário Previdenciário (B31), desde que com NTEP configurado, e tiveram seu contrato de trabalho rescindido sem justa causa ou mediante pedido de demissão, sem assistência sindical, durante o período estabilitário.
Dano moral
O magistrado, ao analisar os argumentos do MPT, concordou que ficou caracterizada uma prática contumaz de condutas lesivas ao meio ambiente laboral, as quais extrapolaram a esfera individual de cada trabalhador, atingindo toda a coletividade. Taveira citou a dimensão pedagógica da decisão de inibir a reincidência das irregularidades e chamou atenção para a capacidade financeira da empresa, que possui capital social de quase R$ 1,7 bilhão e valor de mercado próximo a R$ 3,5 bilhões.
“Saliento que o valor da condenação por danos morais coletivos deve ser suficiente para desestimular o descumprimento da legislação. Caso contrário, o ilícito passa a ser vantajoso e estimularia a concorrência desleal em relação à demais empresas do setor”, acrescentou.
Impactos
A emissão da CAT é mecanismo importante para assegurar direitos ao(à) empregado(a) acidentado(a) ou adoecido(a), tanto na esfera trabalhista (garantia provisória de emprego e manutenção dos depósitos do FGTS, por exemplo) como previdenciária (concessão de eventual aposentadoria por incapacidade permanente e critérios para pagamento mais favoráveis do que do auxílio por incapacidade comum).
O procurador do Trabalho e coordenador regional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat) do MPT-MTBruno Choairy Cunha de Lima, reforça que a emissão de CAT e a notificação ao Sinan devem ser realizadas em caso de acidente, doença ou morte envolvendo trabalhadores(as). “O Sinan é fundamental para a identificação de doenças relacionadas ao trabalho e para a implementação de políticas de prevenção de acidentes dentro das empresas, assim como para melhoria de políticas públicas”, complementa.
Choairy esclarece que ambas permitem realizar a vigilância da saúde do(a) trabalhador(a), seja com vínculo de emprego, no caso da CAT, ou no exercício de qualquer atividade trabalhista, tendo ou não carteira assinada, no caso do Sinan. Com propósitos distintos, a primeira é destinada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e à concessão de benefícios; e a segunda fornece ao poder público um alerta estatístico e epidemiológico, como as causas de adoecimento de trabalhadores(as) de determinada localidade.
Projeto nacional
MPT instaurou procedimento administrativo com o objetivo de registrar informações e providências voltadas à implementação, no âmbito do Grupo de Atuação Especial Trabalhista (GAET) Regional, do projeto nacional da Codemat intitulado “Promoção da Regularidade das Notificações de Acidentes de Trabalho”.
O projeto compreendeu, no primeiro momento, a seleção de 10 empresas que apresentaram a maior discrepância entre o número de CATs emitidas e o de auxílios previdenciários concedidos. Após a identificação da Minerva S.A. na lista, foi instaurado Inquérito Civil (IC) para apurar as irregularidades, o que resultou, mais tarde, no ajuizamento da ACP.
Referência: ACPCiv 0000334-51.2024.5.23.0091
FONTE MPT MT
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